Monday, March 20, 2006

 

LENDA DA PRINCESA DE MOURA

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PUBLICADO PELA DEUTSCHE WELLE EM 11ABR2003
NA ANTENA DA AMIZADE



LENDA DA PRINCESA DE MOURA

Naquele dia escaldante de Agosto os vigias do Castelo de Moura espraiavam o olhar pela paisagem preguiçosa do Alentejo prontos para dar o alarme no caso de se aperceberem de algum indício de cristãos, pois que, se isso acontecesse, depressa surgiria no ar o grito de “Cristo” e “Alá”, indícios certos de derramamento de sangue.
É sabido como Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, o Rico – Homem mais poderoso do nosso primeiro rei sagrou a sua partida deste mundo aos 85 anos de idade levando consigo uma série de sarraceno que ousaram opor – se – lhe e que Herculano tão magistralmente nos conta nas suas “Lendas e Narrativas.” Foi o preço da sua passagem ao reino do cão das três fauces; um punhado de aguerridos agarenos que não mais matou cristãos.
Conhecida também a façanha da conquista de Évora por Geraldo Geraldes, o Sem Pavor para o seu senhor o rei D. Afonso Henriques. Isto é história nua e crua que narra os factos e pronto. Mas a lenda, essa magia de que o povo tanto gosta pelo matizado de suas cores e enredos cheios de fascinação faz – nos sonhar e nós gostamos tanto que até nos custa acordar porque, sabendo que é mentira, acreditamos que é verdade.
Moura, a guardiã da princesa árabe Solióquia, foi, diz a história, conquistada por D. Afonso Henriques. Essa fria cronologia dos factos diz apenas que com a sua posse o património de terras subjugadas se veio juntar a Santarém, Lisboa, Sintra, Almada, Palmela e muitas outras.
Mas a lenda encanta – nos porque nos fala magicamente de uma princesa que em Moura almejava impacientemente a chegada do seu amado para se casar.
O pai esmerara – se em aprestos para a boda, já estralejavam foguetes pelos ares, já o som de alaúdes e outros instrumentos faziam voar suas melodias através do vento. Ranchos de belas adolescentes, teenagers de encantar, entoavam cânticos pelas ruas pensando talvez nos seus amores e seduzindo tudo e todos. Pelos açougues, o sangue de corpulentos animais corria copiosamente enquanto outros eram rolados lentamente no espeto durante o longuíssimo reinado do brasido que as ia torrando. Jarros de generoso vinho enchiam copos aqui e ali e os vivas à princesa e seu noivo já se ouviam.
Será que deitavam foguetes antes da festa? Talvez. Senão vejamos. Os cristãos souberam que o futuro da princesa regressaria naquela tarde para a boda. Pela calada da noite anterior vieram postar – se no caminho que conduzia a Moura, escondidos pelo matagal e silenciosos como convinha a uma emboscada. Esperaram todo o dia e, já desesperados de vezes em quando, alguns falavam em regressar a quartel quando se começou a ouvir ao longe o estropear de muitos cavalos.
- Todos a postos, gritou o comandante.
Precisamente quando passavam por eles sem os ver atacaram de surpresa. Foi rija peleja porque se equilibravam em valentia. Só que a repentinidade fez crescer imprevistamente a desvantagem dos filhos de Alá. E chacinaram – nos a todos.
E ei – los perante a tão almejada oportunidade de despojar os agarenos de Moura. Calma e inteligentemente trocaram as suas vestes pelas dos mortos e ei – los a caminho do castelo agitando festivamente estandartes e fazendo ouvir a tuba em sinal de contentamento. Solilóquia, a princesa, ao divisar aquele grupo festivo ao longe com as brancas vestes dos seus mandou impacientemente descer a ponte levadiça correndo ao encontro do amado. Quando se deu conta do logro era já tarde. Dada a surpresa em breve os mouros se deram por vencidos e a bandeira da fundação com a sua cruz azul flutuava nas ameias. D. Afonso Henriques podia mandar inscrever mais uma conquista nos seus anais.
De certo já adivinharam o que aconteceu a Solilóquia. Antes que alguém que não fora o seu noivo a possuísse substituindo por uma horrível violação a doce dádiva da virgindade num himeneu transbordante de amor, decidiu logo ir juntar – se ao seu querido príncipe atirando – se das ameias e morrendo regando o chão com o seu sangue.
Diz a lenda que aí nasceu um canavial e que os pastores que das canas faziam pífaros, se acaso tinham insónias e tocavam de noite viam no ar o fantasma de uma princesa com o seu diadema de rica pedraria cantando melodiosamente:

O meu nome é Solilóquia,
Sou a princesa de Moura
A terra que o sol doura
Aqui como em Antióquia.

Espero, fiel amante,
Pelo meu querido noivo
O cavaleiro andante
Que um dia me deu um goivo

Belo e espampanante
E este anel em oiro,
Prova de amor duradoiro,
Eterno e galopante.

Logo que o som do pífaro se calava o fantasma volatilizava – se. E os pastores a quem aparecia contavam aos outros e todos faziam pífaros para que lhes aparecesse a princesa por quem se sentiam secretamente apaixonados.
Se alguém for a Moura e pedir para lhes contarem a lenda dir – lhe – ão que ainda hoje há pastores que se sentem apaixonados por uma princesa que aparecia ao seus antepassados cantando quando tocavam flauta e esperando pelo dia em que a princesa lhes aparecesse também…
E termina aqui a lenda da bela princesa Solilóquia que, no dia do casamento, quando soube que o noivo tinha morrido se suicidou para se juntar a ele para sempre, para a eternidade e aí continuar o seu enlace ultra-romântico onde o tempo não conta nem as guerras nem o terrorismo nem nada do que é substância e transitório porque o espírito substituíu a matéria.
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▪▪▪ fim ▪▪▪
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